Musicas

Alzheimer

Pedi uma bebida e afrouxei a gravata parando para observar uma moça dançando sob uma espécie de palco. Ela não parecia ter problemas, nem filhos e nada que eu tinha que tolerar...
Apareci assim que dei saída da empresa que trabalhava e meu carro me trouxe para uma boate localizada na parte suja da minha cidade onde quis beber e pensar um pouco. 
Estava há meses tentando ganhar uma promoção no meu cargo, porque achava que era um executivo melhor do que o novato da empresa. Estava frustado com meu casamento e meu filho sofre de um câncer irremediável. Então, eu quis só olhar aquela garota, que já havia visto antes nessa mesma boate, enquanto eu outra vez lamentava tanto da vida ter sido dura pra mim. 
E estar ali me faz pensar que todos são fúteis e felizes, e traz uma fuga da imensidão dos meus problemas...e ela, em especial me intriga, me excita e me olha como se eu fosse seu chefe, numa poltrona almofadada vermelha, de pernas entreabertas e com um sorriso que não tenho desde a adolescência. Uma pessoa não consegue viver apenas de realidade, porque não é divertido, não é extasiante, não para muitas pessoas...
Então, passava minhas horas de tédio e lamúrias com ela. Seu cabelo da cor do fogo, sua pele branca sob as tantas luzes negras do ambiente me desfocavam a imagem a cada passo da sua dança. Ela decidiu vir até mim, uma vez, dançando devagar até quase encostar sua boca na minha, e desistiu. 
Parecia que ela sabia que eu não seria bom pra ela, e sabendo disso não quis nunca mais dançar para mim, porque não havia dinheiro para pagá-la por uma boa dança erótica e eu nem sei porque estava me importando tanto com isso.
Afinal, é só uma dançarina...


E dizendo isso, acordei de um coma. Lembrando ser apenas um homem velho, de 65 anos, solteiro e com a imaginação de uma vida que eu nunca vivi. Os problemas quando não existem, teimamos em criá-los, e as situações de melodrama e dor nós as ampliamos de uma forma que parece até uma verdade...